07/11/2012 - 00h16 | Atualizado em 04/01/2013 - 12h21
Por Cáris de Rezende Pena - Médica especialista em Clínica Médica e Reumatologia
Sou médica, com formação em Clínica Médica e Reumatologia, com 11 anos de formada. Atendo atualmente em consultório privado, exclusivamente, apesar de já ter, pela maior parte destes anos, prestado atendimento na rede pública. Este ano fiz a opção de cancelar o atendimento a todos os convênios em meu consultório. Esta decisão foi tomada após um longo tempo de análise e com pesar.
Sabemos da função social que exercemos como profissionais de saúde e do peso do valor das mensalidades dos planos de saúde no orçamento familiar. Assim, seria de suma importância, em termos de política de saúde do país, que mantivéssemos uma prestação de serviço no sistema público e no sistema de saúde suplementar, via planos de saúde.
No entanto, nos últimos anos, vem sendo crescente a desvalorização do profissional de saúde em geral (médicos, fisioterapeutas, odontólogos, enfermeiros, nutricionistas, dentre outros), tanto no sistema público quanto no sistema de saúde suplementar, tornando inviável o atendimento pelos mesmos.
No caso da classe médica, chegamos ao ponto de a remuneração por uma consulta, via plano de saúde, tornar-se inferior ao valor de um corte de cabelo. Os honorários pagos por uma consulta tem valor bruto médio de R$50,00, com direito a retorno e deduzindo-se 27,5% de imposto de renda, gerando um valor líquido em torno de R$20,00... Um corte de cabelo varia, no mínimo, entre R$ 25,00 a R$ 80,00, sem direito a retorno... Isto sem fazer comentário à remuneração dos procedimentos na fisioterapia e na odontologia, ainda mais desvalorizados. Sem nenhuma intenção de desmerecimento à classe de profissionais do ramo de cabelos, mas somente utilizando-os por analogia, considerando o tempo de estudo e de investimento financeiro de um profissional da saúde de nível superior, entendemos que é inaceitável tal desvalorização.
Ainda pior é a situação no sistema público. Meu município de residência é Balneário Camboriú (SC), cidade litorânea polo de turismo na região, que passa bem longe da pobreza e da miséria das cidades do Norte e do Nordeste do país, e que, portanto, poderia “tratar melhor” seus profissionais de saúde. Aqui a remuneração de um médico especialista (cardiologia, reumatologia, neurologia etc.), para uma carga horária de 20 horas semanais, fica em torno de R$1.600,00** (valor bruto), sem maiores gratificações e sem nenhum programa de incentivo, como, por exemplo, um plano de cargos/carreiras/salários. Isto significa que, se um profissional com a formação exigida para esta função (6 anos de graduação e um mínimo de 2 anos de residência médica, em geral 4 anos) optasse por trabalhar 40 horas semanais, o que seria quase um regime de dedicação exclusiva pela CLT, receberia um valor bruto de R$ 3.200,00. Isso para um profissional com uma média de 10 anos de formação em nível superior... E neste cenário, de condições de trabalho ruins e má remuneração, a palavra da vez é PRODUÇíO, QUANTIDADE, VOLUME! Esqueçam-se a qualidade, o tempo, o ouvir, o sentir, um bom toque de mãos...
Considerando que pertencemos à classe média e média alta deste país, e que, portanto, somos os maiores pagadores de impostos, temos que custear, com esta remuneração, aquilo pelo qual pagamos e que o Estado não nos oferece de retorno: saúde, educação, segurança pública etc., afora, naturalmente, os nossos bens pessoais.
A imagem que fazem da profissão de médico é a de um exercício de sacerdócio, de doação, de modo que cobrar justa e adequadamente por um serviço prestado ou por um procedimento médico é quase sinônimo de ofensa. Parece que se esquecem que também temos que pagar as nossas contas com o nosso trabalho, como qualquer outro profissional.
Em todo país com o mínimo grau de desenvolvimento, a renda pessoal é proporcional ao tempo de investimento em educação. Em nosso país, uma vez que as principais lideranças governamentais podem chegar aos postos mais importantes sem o ensino fundamental básico..., fica fácil compreender por que a formação acadêmica e intelectual aqui não é valorizada.
Além da desvalorização financeira, temos sofrido com a desmoralização da classe médica nos meios de comunicação. É frequente a veiculação, na imprensa geral, de reportagens abordando deficiências em atendimentos médicos, erros médicos, faltas em plantões, falta de profissionais para atendimentos etc. Estas reportagens são sempre unilaterais e tendenciosas, mostrando somente a versão do usuário do sistema público ou privado que ficou sem atendimento, dando a impressão, por exemplo, de que a ausência em um plantão ocorreu por puro descaso do profissional. Nunca, ou raramente, entrevistam o médico para perguntar o porquê da falta, o porquê do erro.
O médico, assim como qualquer outro trabalhador, também adoece, também tem problemas de saúde com seus filhos, também perde familiares, levando-o, por vezes, à necessidade de faltar ao trabalho. Além disso, nunca nos perguntam se faltamos porque estamos completamente sem condições de trabalho no serviço, tornando o atendimento de risco para o usuário e para o profissional, inclusive dando margem a processos médicos; ou se estamos sem receber há 2 ou 3 meses em um local que já não nos garante nenhum direito trabalhista.
Cabe aqui uma reflexão sobre a contribuição da classe médica (e demais profissionais de saúde) nesta desvalorização. Como ocorre em qualquer outra profissão, sabemos que há profissionais pouco qualificados em nosso meio, que há, sim, atendimentos que são realmente deficientes em termos de ética, de respeito ao paciente e de competência técnica. Parte da responsabilidade nessa situação é do excesso de escolas de graduação abertas nos últimos anos, inundando o mercado de novos profissionais, sem espaço para uma formação complementar adequada. São estes os que, em parte, oneram os custos da saúde, com a solicitação exagerada de exames complementares. No entanto, estes profissionais são, sem nenhuma dúvida, a exceção, e não a regra. A atitude antiética e a falta de competência de uns poucos não pode ser propagandeada como atitude de uma classe, como vem ocorrendo nas reportagens em geral.
Com toda esta situação, o bom profissional da saúde, desgostoso com a profissão, vem abandonando o atendimento clínico nos consultórios e desviando suas atividades para funções burocráticas ou administrativas. E, infelizmente, quem sai perdendo é a população.
Assim, fica aqui a mensagem e um aviso aos gestores de saúde do sistema público nas esferas municipal, estadual e federal, bem como aos administradores dos planos de saúde. Seus profissionais de saúde estão DOENTES, e GRAVEMENTE DOENTES, necessitando de CTI... O sistema público de saúde já está falido, só esqueceram de anunciar... E o sistema privado segue o mesmo caminho...
É inviável a manutenção de um sistema a longo prazo e em grandes proporções que seja financiado por poucos, utilizado por muitos, mal administrado, vítima da corrupção e que trata muito mal aquilo que deveria ser a sua “mola mestra”: os recursos humanos.
Portanto, gestores de saúde e administradores de planos de saúde, reflitam melhor sobre as suas responsabilidades pessoais nesta situação e cuidem melhor de seus médicos e demais profissionais de saúde, antes que seja muito tarde...!
* Publicado originalmente no dia 05 de Novembro de 2012 no Portal do CFM
Em certos momentos o cenário que se apresenta é semelhante ao dos campos de guerra.
Aquele choro que tanto nos comoveu é o mesmo choro de muitos em quaisquer emergências e hospitais públicos do Brasil.
Diante da falta de vontade política do Governo de melhorar o atendimento, quem não estaria interessado em pagar pelo sonho de uma boa assistência?
Ocultando a verdade e distorcendo os fatos, a presidente tenta, desesperadamente, contabilizar os últimos dividendos do investimento eleitoral.